Preparem-se para ler um texto forte. Beatriz Aquino não está brincando de escrever. Da alcateia de escritores, ela sobressai-se como loba apta a permanecer entre alguns lobos mais velhos. E uiva, amaldiçoando nosso pertencer a esse universo imenso, escuro e impiedosamente eterno...
Ricardo Ramos Filho
Escritor e atual presidente da UBE - União Brasileira de Escritores
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Estamos diante de uma escrita ali-mentada por sua natureza mesma. Em estado de contradição contínua: poesia e prosa a um só tempo. Algo bem próximo daquilo que Suzanne Bernard em Le poème en prose: de Baudelaire jusqu’à nos jours definiu. Textos que desenvolvem, em linhas gerais, três características. Em primeiro lugar, um princípio de unidade orgânica, representativa da inteireza que o poema em prosa contém, circunscrito a poucos elementos e tempo curto. Ao enunciar um universo fechado e intensivo, o poema acaba por se afastar da prosa poética e cria a sua própria esfera — representada pelo ritmo e pela agilidade das imagens. Cada poema é em si uma experiência única e orgânica. Observamos também certo sentido de gratuidade. Conceito que opõe o poema em prosa aos gêneros narrativos. Sua imaginação corre ao léu, sem balizas. E finalmente, evidencia a brevidade, qualidade que lhe garante um teor denso de forte magnetismo. Por mais longo que seja um texto dessa natureza, parte-se do princípio de que o movimento interno é de contenção e síntese, implicando o uso frequente de elipses (supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto linguístico ou pela situação), e cortes bruscos. O que interessa, sobremaneira, é despertar um golpe de imaginação a partir de poucos elementos.
Ou seja, e sem excessos de categorização estreita, é na confluência da poesia com a prosa nos planos formal e imaginário que esse tipo de “caligrafia” se impõe. De um lado, a linguagem poética movida por uma vocação de anarquia libertadora (selvagem), em luta contra as sujeições formais. De outro, a expressão em busca de unidade com o objetivo de ação comunicativa. Desfaz-se o paradoxo semântico de origem “poema em prosa”, e nasce a força motriz da criação. É linguagem carreada de imagens a constituir um espectro próprio onde se instaura o sopro poético. Mistérios e caprichos da poesia? Certamente. É conferir e se deleitar com a habilidade com que Beatriz Aquino maneja tais elementos e ainda acrescenta aquele “mais ainda” que só a leitura individual propicia.
Krishnamurti Góes dos Anjos
Escritor e crítico literário
Caligrafia Selvagem
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